“Desde quando preta tem lugar de fala?” Gênero, trabalho e educação técnico-profissional de jovens e adultos – Histórias de mulheres negras

Marques, Rucélia Patricia da Silva

Resumo

Refutando o ordenamento histórico e sociocultural (im)posto pelo sistema patriarcal (eurocêntrico-colonialista, falomachista, branco, androcêntrico etc.), que impõe às mulheres, principalmente as negras, comandos e manobras arbitrários, sexistas, racistas e subjugantes, cerceando a liberdade de criarem as condições autônomas das experiências de si mesmas, esta pesquisa buscou analisar a relação interseccional entre trabalho e educação técnico profissional a partir da história de mulheres negras, oriundas do Curso Técnico-Integrado em Eventos, do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos (Proeja), do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Campus João Pessoa. Trata-se de uma pesquisa aplicada, fundada na abordagem qualitativa, subsidiada na história oral e na pesquisa participante. Para a coleta de dados, a investigação utilizou-se da entrevista narrativa e fecundou suas bases nas trajetórias de vida das mulheres negras e seu protagonismo diante das adversidades enfrentadas ao longo da caminhada, cujos preceitos centrais foram calcados nas seguintes categorias: gênero, identidade étnico-racial, educação e trabalho. A investigação selecionou uma amostra de duas mulheres matriculadas e duas egressas do dito curso, todas autodeclaradas negras, no intuito de entender os anseios e as conquistas históricas de tais mulheres durante e após a formação técnico profissional. Os resultados constaram as situações de racismo, opressão e subjugação às quais as mulheres estiveram submetidas em suas trajetórias de vida. São mães solo, cuja maternidade é vivenciada fora dos padrões morais e familiares, tendo enfrentado situações de machismo e violência doméstica, de abandono paterno de si e de seus filhos etc. Os resultados precisaram a identidade e o orgulho étnico-racial, interpostos no cabelo afro, como gesto de autoaceitação e reconhecimento da ancestralidade. As memórias de sofrimento da infância (evasão escolar) e da adolescência (gravidez precoce) coadunam-se, na fase adulta, com o embandeiramento pela luta, enfrentamento e resiliência que permitiram esperançar e ressignificar o olhar para a educação como caminho para a emancipação. O apoio dos filhos mostrou-se fator preponderante para o retorno à escola, por meio do Proeja/IFPB. É assim que floresce o desejo para a mudança de vida, por meio do conhecimento e das possibilidades de (re)inserção no mercado de trabalho. A categorização das narrativas históricas a partir da trajetória de vida das mulheres dimensionou a produção do Produto Educacional subjacente à pesquisa, tipificado como “projeto de evento” (Seminário/Webinar), cuja ideação foi constituída em conjunto com as próprias mulheres negras participantes da pesquisa, intitulado: “A vez e a voz das mulheres negras: formação, trabalho e emancipação”. Portanto, o silenciamento e a invisibilização/apagamento da mulher negra são construções históricas e socioculturais que castigam essas pessoas na mesma penumbra com que o passado recente da escravatura impunha, a ferro, fogo e grilhões, a condição de servidão incondicional, o corpo mandado e a alma condenada à inferiorização. Atravessadas pelo racismo, pelo sexismo, pelo machismo estrutural, pelo etarismo etc., por meio dos quais são impregnadas pelas múltiplas formas de reificação e violência decorrentes, as mulheres perceberam a importância da educação profissional e tecnológica em suas vidas, muito além dos ditames produtivistas do capitalismo neoliberal.

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